Afmend Sarmento* | opinião
A crise política que Timor-Leste
está atravessar nestes últimos meses é gravíssima, com uma nova experiência na
construção do Estado de direito democrático: a dissolução do Parlamento
Nacional e, consequentemente, a convocação da Eleição Antecipada, ou seja, na
terminologia jurídica-constitucional chamada a subsequente eleição. Na verdade,
é um sinal evidente da instabilidade política. Assim, a referida eleição é
arquitetada como “marca registada dos nossos tempos” (Bauman, 2016, 33). Num
ambiente muito tranquilo e sossegado, todos os presentes se aplaudiram perante
a decisão anunciada pelo próprio Presidente da República, Dr. Francisco
Guterres "Lu-Olo". A decisão anunciada foi sustentada, por um lado,
por força jurídica-constitucional, isto é, em abrigo ao artigo 86.º, (alínea f)
e artigo 100.º da Constituição da República de 2002: “o Presidente da
República, no uso das suas competências, previstas no artigo 86.º, alínea f da
C-RDTL, decreta a dissolução do Parlamento Nacional e a seu tempo vai convocar
eleições parlamentares antecipadas nos termos da constituição e da lei” (cf.
Mensagem de Sua Excelência Presidente da República sobre a situação política em
Timor-Leste, 26 de janeiro de 2018) e, por outro lado, fundamentada por razão
política, na medida em que os políticos
não são “áugures”, “curadores”, “intérpretes” (Bauman, 2016, 70) da
vontade popular expressada na última eleição. Tudo bem, mas, nada disso flui,
nada disso corre; muito pelo contrário, fica parado e faz diminuir o ritmo do
desenvolvimento nacional.
Segundo a minha perspectiva, esta
é uma decisão win-win solution, aonde uma parte não se sentiu como vencedor
nesta disputa pelo poder que gera a crise política neste País. Trata-se, pois,
de definir, de um lado, a dissolução do Parlamento Nacional como vitória para
Fretilin e o seu aliado, mas, o Governo também cai, por outro lado. Em última
instância, a intenção da AMP era mesmo procurar todas as formas para afastar
Marí Alkatiri pela segunda vez do cargo de Primeiro-Ministro. Recentemente,
Peter Sloterdijk sugeriu uma copresença na ação política de duas economias
distintas: “a economia erótica” do Eros e “economia timótica” da noção de Thymos
de Platão (citado em Bauman, 2016, 28). Comentou Bauman: (1) as pessoas são
movidas não só por dinheiro, mas por falta de algo. Esse algo pode caracterizar
com o poder. Como ouvimos nas linguagens corriqueiras: o assalto de poder ou
golpe de poder para se referir à AMP. (2) motivada pela necessidade de
reconhecimento. A exigência do P-Fretilin para ser reconhecida como vencedor
nas últimas eleições, tem todo o direito para formar um Governo, ainda que não
cumprisse o critério determinante como conditio sine qua non para a formação do
Governo, ou seja, a Maioria Parlamentar. Nesta perspectiva, o Presidente da
República observa que a “ética da oposição demasiadamente é erótica e não
timótica” (Bauman, 2016, 28); isto implicaria uma consciência tranquila do PR
para dissolver PN, abre o caminho aberto ao jogo democrático na Eleição
Antecipada.
Uma das curiosidades assenta-se
na corrente pensamento do Pierre Bourdieu, um jogo de palavras de que chamou
apropriadamente de “cínico” e “clínico”. Comentando por Bauman que uma decisão
pode ser usada de forma “cínica”, isto é,
“pensemos numa estratégia que permitirá utilizar as suas regras para
tirar o máximo de vantagem; quer a decisão seja justa ou injusta, agradável ou
não, isso não vem ao caso. No entanto, quando é utilizada “clinicamente”, essa
mesma decisão pode nos ajudar a combater o que vemos de impróprio, perigoso ou
ofensivo à nossa sociedade (Bauman, 2000, 7. itálico é meu). Pessoalmente, argumento que a decisão
política possa tornar se uma “clínica” para diagnosticar as doenças da
sociedade, a fim de recuperá-la, do que ser um palco para encher com “os dramas
cínicos” da política, em busca insaciável do poder. Em fim, Nietzsche advertiu
nos de que, em períodos de decadência, é fácil perder “a capacidade espontânea
de se autorregular coletiva e individualmente”, de tal modo que “preferimos o
artificial ao real”, deixando prevalecer os “motivos ‘desinteressados’” a ponto
de “escolhermos instintivamente o que é pernicioso” (citado em Bauman, 2016,
17). Na verdade, BK e BOMP, todos sofreram a doença “psico-patologia”
significa, em grego, sofrimento da alma (Bauman, 2000, 40), gerada pela
idolatria ao poder, honra e riqueza.
Eis aqui a raiz do problema, como
dizem os alemães, “Ist der Hund begraben”, literalmente diz-se “aqui está o
cerne da questão”: “o verdadeiro poder ficará a distância segura da política e
a política permanecerá impotente para fazer o que se espera da política”
(Bauman, 2000, 11). O professor e sociólogo da London School of Economics,
Zygmunt Bauman expressou de forma sucinta e correta: "nenhuma decisão é
final, todas se ramificam noutras" (Bauman, 2016, 5). Como sabemos, toda a
ação política desenrola-se na articulação de três esferas – a política, a
economia e a social. Na verdade, a Sua Excelência Presidente da República pôs
fim a uma crise política em disputa ao poder, porém, fica aberto o caminho para
uma outra crise económica, financeira e social.
Assim, começaremos pela definição
do termo “crise”. É uma palavra utilizada para caracterizar uma ruptura no
funcionamento de um sistema, de forma, positiva ou negativa. De facto, a crise
política e económica estão intimamente ligadas – afirmando por Bobbio – tanto em
sentido positivo, quando a solução de uma das duas leva elementos benéficos para
a solução da outra, como em sentido negativo, quando a incapacidade de resolver
a crise de uma esfera se repercute sobre a outra esfera (Bobbio, 1998,
303-306). Deste ponto de vista, esta decision-makers
parece-se como uma espécie de “mística da mudança”, (Bauman, 2016, 26) que evoca constantemente a
mudança e ao mesmo tempo a adia a situação política atual numa incerteza,
porque o Estado está a funcionar sem um Orçamento Geral do Estado.
Como fundamentou Pe. Martinho
Gusmão que a Eleição Antecipada é uma péssima ideia. Atrevo-me a dizer que, o
pacote de Eleição Antecipada, ou seja, a subsequente eleição parecer-se como
uma “Caixa de Pandora”, isto é, segundo a mitologia grega, Prometeu rouba o
fogo a Zeus e dá-o aos homens. É a desgraça da humanidade, pois Zeus ordena que
seja criada Pandora, que é dotada de beleza e graça, mas também de mentira e de
desgraça. Sim, é uma decisão honesta e justa (Pe. Jovito do Rego), mas contém
sempre a miséria e desgraça, uma ferida e uma maldição ao mesmo tempo. Na famosa
definição de Peter Drucker, “a política (sociedade) não oferece mais salvação”
(citado em Bauman, 2000, 62). Estes fenómenos já se constituem como um
"cancro" que é difícil de curar, por gastar muitos milhões para nada,
enquanto o povo continua a viver na miséria e pobreza.
O mais sinistro e doloroso dos
problemas atuais pode ser melhor
entendido sob a rubrica Unsicherheit, termo alemão que funde experiências para
as quais outras línguas podem exigir mais palavras — incerteza, insegurança e
falta de garantia (Bauman, 2000, 10),
cujo sentido, segundo o autor, sintetiza a condição do homem nas suas
dimensões de incerteza, falta de garantia e insegurança nas situações do
quotidiano. Esta situação de insegurança é gerada pela instabilidade do
mercado. As pessoas sentem-se inseguras. Porquê? Porque, por um lado, a taxa de
desemprego vai aumentar na medida em que muitos dos empresários nacionais não
tem capacidade económica para pagar o preço do trabalho, por outro lado, a
máquina do Estado fica parcialmente parada por não ter capacidade para atender
o público de forma eficaz e eficiente, por falta de orçamento de Estado como
recurso adequado de sempre para sustentar a sua atividade. Logo, estão
afundandos no naufrágio da crise, presas entre precariedades crónicas, que
impedem as pessoas de assumir qualquer nova responsabilidade plenamente (os
cargos de chefia), e a expulsão do mundo de trabalho os funcionários
contratados. E, assim, a tensão positiva que mantém a sociedade em equilíbrio
fica perturbada.
A leitura acima tira-nos da zona de conforto e faz-nos
refletir sobre a sociedade na qual estamos inseridos e sobre questões políticas
de extrema relevância, possibilitando uma maior compreensão acerca da crise que
estamos a enfrentar. Assim, o Estado de Timor-Leste está num estado de
interregno: entre a incerteza e a esperança! No “interregno”, - como diz o Bauman – “não somos uma coisa
nem outra”, acrescentando ainda que, “no estado de interregno, as formas como
aprendemos a lidar com os desafios da realidade não funcionam mais” (Bauman,
Entrevista, 1 de janeiro de 2016), exceto, o povo continua a orar sem cessar
“...neste vale de lágrimas!”.
Já não temos mais alternativas, portanto,
exceto perguntamo-nos com Bauman: Até que ponto a crise atual vai levar as
transformações que ela ocasionou? Quanto tempo que levará para encontrar um
rumo certo? Quantas pessoas tornar-se-ão vítimas até que a solução seja
encontrada? Mais uma vez, Bauman fundamentou “a incerteza, além do mais, não
cessa depois que se toma uma resolução” (Bauman, 2000, 76). A cena revela-se
ainda mais dramática, de facto, já solucionamos a crise política, mas, está para vir uma outra crise
económica e financeira, até pode ser, a crise social. Para usar o termo feliz
cunhado por Anthony Giddens, a nossa incerteza é fabricada. A incerteza não é
algo que reparamos, mas algo que criamos e criamos sempre de modo novo e em
maior quantidade, e criamos através dos esforços para repará-la (citado em
Bauman, 2000, 125). Se avaliarmos o seu impacto quotidiano, consequentemente,
concluiu Bauman “as duas coisas de que
mais se tem certeza hoje em dia é que há pouca esperança de serem mitigadas as
dores das atuais incertezas e que mais incerteza ainda está por vir” (Bauman,
2000, 32). De facto, todos nós estamos naufragados neste imenso mar de
incerteza.
Nós vivemos num período de
interregno causado pela “arrogância de uma democracia viciada” (Alexandre
Krausz), a provocar o sentimento crescente de caos e incerteza sobre a situação
política que o país está a enfrentar. O problema, porém, - recorreremos às
interpretações de Zygmunt Bauman - é que se fazer algo efetivamente para curar
ou ao menos mitigar a inquietude e incerteza exige ação unificada, a maioria
das medidas empreendidas sob a bandeira da segurança são divisórias, semeiam a
desconfiança mútua, separam as pessoas, dispondo-as a farejar inimigos e
conspiradores por trás de toda discordância e divergência (Bauman, 2000, 10).
Torna-se cada vez mais problemático alcançar o que Hans-Georg Gadamer chama de
“fusão de horizontes”, (citado em Bauman, 2016, 37), que forja consciências,
posturas, políticas coletivas e cultura compartilhada em prol da causa do
desenvolvimento nacional. A dúvida e a preocupação suscitada pelo povo em geral
— fundamentando por Bauman (Bauman,
2000, 77) — a separação entre o Bloco de Governo e o BOMP é sua independência
mútua. É antes a ligação, a dependência mútua, a comunicação entre os dois
sectores que deve estar no centro: o interesse do Estado de Timor-Leste.
Talvez este é o nosso Zeitgeist
(“espírito da época”), no próprio momento em que tudo aquilo que nos ajudou a
criar este “juntos” desabou -
parafraseando Bauman – os partidos políticos não se entendam, a grande
cultura política de “omnium consensus” perdeu-se o seu rigor, os modos de
expressão como o meu irmão/ o meu compadre afundou-se no abismo –, o espaço
para o debate e a reflexão dos líderes antigos como o Encontro de Maubisse I e
II encolheu subitamente, e o discurso público vigente se atrofiou no colapso da
comunicação entre as elites políticas (Bauman, 2016, 12. itálico é meu). Em
suma, nós estamos a enfrentar, por conseguinte, “uma instabilidade política
que, em primeiro lugar e acima de tudo, é uma solidão política, uma
incomunicabilidade política” (Bauman, 2016, 12.), - continua Bauman - uma
ausência de habilidades de diálogo, como
força vital sine qua non da democracia (Bauman, 2016, 85). Nós estamos no
começo de um processo longo e tortuoso para chegar a formação de um novo
Governo. Pois, os líderes políticos,
salienta ainda Bauman, por sua natureza, “são demasiados propensos à
rivalidade e à exclusão recíproca, eles parecem indispostos à cooperação e
incapazes de reestabelecer de novo o
espírito fraterno”, (Bauman, 2016, 19) que os guia nos tempos da resistência.
Antigamente - como disse Milan Kundera, no seu romance A identidade, - ser
amigo significava ficar ombro a ombro na batalha, estar pronto a sacrificar o
próprio bem-estar, a própria vida se for necessário, por uma causa que só é
defensável como causa comum e em comum. A vida era frágil, cheia de perigos e a
amizade podia torná-la mais sólida e um pouco mais segura (citado em Bauman,
2000, 50). Este foi o espírito da resistência e o vínculo inquebrantável que
então estabeleceram entre os timorenses. Hoje, este espírito afundou-se no mar
e “rasgando o delicado tecido da solidariedade humana” (Bauman, 2000, 51) pelo
caprichos de poder. Tal como diria Norberto Bobbio: “o homem persegue o próprio
interesse tanto no mercado económico como no político” (BOBBIO, 1986, 10),
seguindo o seu próprio instinto da “vontade do poder” (Nietszche). O desejo do
poder é algo que o move inevitavelmente – o “instinto de poder” (Weber), como
habitualmente se diz.
Em qualquer país democrático, o
que gera e mantém organizadas as sociedades, bem como, garantir a segurança e
estabilidade é a “tarefa suprema e a obrigação inegável do Estado, portanto,
sua raison d’être” (Bauman, 2016, 9). Entendido dessa forma, “o Estado era o
grande provedor da segurança e estabilidade da nação, e, por isso, onde os
cidadãos depositavam sua confiança” (Bauman, 2000, 50). Em outras palavras, a
razão do Estado é ligada com a segurança e garantia do bem-estar da nação e do
povo, numa palavra, o Estado como remedium peccati (Norberto Bobbio), para
sarar a incerteza, insegurança e falta de garantia na vida quotidiana da
população.
No entanto, há um constrangimento
suscitado no meio do povo perante os políticos, no qual o discurso da retórica
política de “interesse do Estado/Povo” torna-se o instrumento para atingir os
objetivos pessoais e partidários. Comentou Bauman: “os políticos prometem
modernizar as estruturas seculares de vida dos seus súditos”, o que na
realidade, apenas uma pura emissão fonética - "flatus vocis"-
enfatiza-las para cativar a simpatia e adesão do povo, visa ganhar a confiança
através do seu voto nas urnas. No mesmo
contexto, percebe-se claramente que “as promessas são presságio de mais
incerteza, mais insegurança e menos garantia contra os caprichos do destino”
(Bauman, 2000, 39). Enquanto, as elites políticas perseguem o sentido da
existência em direção às próprias sensações de bem-estar, enquanto o povo
continua a viver num oceano de miséria. É difícil para nós, hodiernos,
entendermos a ação dos políticos.
A pesquisa recente realizada pelo
International Republican Institute (IRI) antes da Eleição anterior concluíram
que um maior número da população timorense, não aderirem a qualquer partido
político e, com um volume elevado dos indecisos em escolher um partido. Esta
situação deve-se aos políticos que perdem poder e são responsáveis por uma
crescente apatia política, um progressivo desinteresse do eleitorado por tudo
que tenha caráter “político” (Bauman, 2000, 22). Esta apatia vai influenciar
para que possa acontecer um crescente número maior de abstenção e não
participação na Eleição Antecipada que se realizará em breve. Ainda por cima, o
próprio sistema eleitoral em si, não irá contribuir para que a população possa
exercer livremente o seu direito de voto em qualquer lugar.
Na verdade, há uma certa “reação
de fadiga” e “perda de simpatia” da população timorense, porque os políticos
não cumprem a promessa. Esta situação vai gerar “o ponto de ruptura com o
alargamento do fosso entre eleitores e eleitos – isto é, com a crise evidente
de representação” (Bauman, 2016, 11), porque os eleitos não tem o sentimento do
Povo. Em consequência, “as pessoas não votam mais, ou o fazem com indiferença,
sem paixão ou pelo menos sem muita convicção; elas não acreditam no direito de
votar como o meio mais efetivo... (Bauman, 2016, 11), isto contribui para a
elevação de não-participação nos atos eleitorais, bem como, os escritos que
aparecem com a incitação de levar as pessoas para o Golput. Pois, “o povo
sente-se traído e frustrado pelas promessas democráticas” (Bauman, 2016, 15),
que soam nos ouvidos do povo durante as campanhas: libertar o povo da pobreza e
miséria! Muito pelo contrário, “os que estão no poder não desfrutam mais da
confiança dos eleitores; eles só acumulam os benefícios”, como argumenta o
pensador político francês Pierre Rosanvallon (citado em Bauman, 2016, 42).
Assim, o fim da política não é para alcançar o Bem Comum, mas o bem da família
e do partido. A nação – para estes animal politicus – torna-se a segunda
opção, dada a importância à primeira opção que é a família e o partido. Em
suma, sem dúvida, é um dos mais nocivos venenos da nossa época.
O povo testemunhou o
desmoronamento da confiança depositada nos seus representantes no PN, que
deveria dar forma e substância a pensamentos genuínos e bem organizados que se
agregam e desenvolvem pelo debate em prol do bem comum. Estes são, as
realidades atuais, responsáveis pelo fato de o cidadão se sentir “traído e
frustrado pelas promessas democráticas” (Bauman, 2016, 15). Porque os políticos
não cumprem a promessa do princípio de reciprocidade - do ut des - isto é, o
povo oferece o seu voto, enquanto o político não estimula a busca de satisfação
do povo, bem pelo contrário, causa
apatia política como expressa com lucidez e articulado de forma coerente por
Bauman - uma política de “adiaforético”, - quer dizer, sem interesse para as
autoridades políticas (Bauman, 2000, 67). Oxalá, que este povo resistente e
sofredor não acredita cegamente nestes “profetas desonestos e falsos salvadores”
(Bauman, 2016, 22) da Nação, que venham divulgar os programas eleitorais, as
promessas políticas, com intuito de mobilizar e conquistar o eleitorado para
eleger os partidos políticos. Que o povo
tem o sentimento de “imunidade à eloquência”, como chama Bertrand Russell, isto
é, a capacidade de resistir à falsa mágica das palavras do Poder (Bauman, 2016,
63).
Os resultados eleitorais da EA
manter-se-ão dentro da tendência histórica, como Marx Weber demonstrou “hero
worship” ou “absolute trust in the leader” continuam a votar em Xanana e Taur
Matan Ruak. E, os que adoram o Partido Fretilin continuam a votar neste
partido. Como comentou o Pe. Martinho Gusmão: “o voto ideológico” continua na
mesma com os votos dos "semper
fidelis" (sempre fiéis) militantes e simpatizantes. O que vai mudar é “o
voto estratégico”, mas o nosso povo ainda não tem a “capacidade de analisar, da
inteligência para discernir” (Bauman, 2016, 57) os programa eleitorais. Ainda
vale a palavra de Robert Ezra Park: (1) marcado pelo discurso racional; (2)
unida por uma experiência emocional. Explicando de forma explícita por Bauman:
o primeiro deve ter “capacidade de pensar e argumentar com os outros”, ao passo
que a última só precisa ter “capacidade de sentir e se identificar” (citado em
Bauman, 2016, 26) com os militantes e simpatizantes. Assim, “luta política” da
EA já não é mais uma competição de programas eleitorais, mas, sim, de figuras
históricas e partidos históricos, mais uma vez, Bauman sintetiza: “luta
política já não é mais uma competição de ideias, mas de personalidades: o maior
número de pontos é amealhado pelas figuras...”,
porque a “cognição política é moldada emocionalmente” (Bauman, 2016, 78)
para cativar a simpatia e adesão dos "semper fidelis" militantes e
simpatizantes.
No meio de situações
verdadeiramente dramáticas, “o que nos mantém vivos e atuantes perante esta
situação de incerteza é a imortalidade da esperança” (Bauman, 2016, 35), como
frisou de forma concisa por Bauman. De facto, a esperança é o único remédio preventivo
desta incerteza. A ansiedade difusa e dispersa dos povos deslocam-se para um
único elemento de Sicherheit — o da segurança. Freud fala de Sicherheit, a
língua alemã é atipicamente frugal: consegue estreitar num único termo
fenómenos complexos para os quais outras línguas precisam pelo menos de três —
segurança, certeza e garantia (citado em Bauman, 2000, 20). Apesar de a tensão
política perdurou-se no tempo, o povo mostra a sua maturidade política: a
situação é estável, confiável nas Instituições de Segurança e Defesa, assim, o
povo aprendeu com as experiências passadas para enfrentar os desafios da vida.
Em suma, concluiu Bauman: “no coração da política da vida encontra um desejo
profundo e insaciável de segurança” (Bauman, 2000, 25). A “confiança” de que o
VIII Governo possa instaurar de novo um espaço lúdico, seguro para todos os
timorenses. E, que tinha como característica primordial a certeza de edificar
uma sociedade justa, livre, solidária, pacífica e, consequentemente, que
partilham equitativamente a honra e o ónus desta nobre nação de Timor Lorosa’e.
Todos nós esperamos, que a
subsequente Eleição ou Eleição Antecipada possa acontecer num ambiente mais
democrático e, que os políticos não podem fazer o monopólio da política: por um
lado, pelo uso da força, onde “as pessoas são obrigadas a fazer algo de que
prefeririam abster-se”. E, por outro lado,
pelo uso do dinheiro (money politics), pelo que “as pessoas podem ser
induzidas a fazer o que não fariam por iniciativa própria”. Porém, que se
privilegiam pelo uso da sedução, isto é, “as pessoas podem ser tentadas a fazer
coisas pela pura felicidade de fazê-lo” (Bauman, 2016, 49), sem nenhuma
intervenção política.
Finalmente, estou feliz, não por
causa da subsequente eleição ou a Eleição Antecipada nem pela AMP, muito menos
por queda do Governo, mas pela maturidade política do povo em manter a situação
tranquila, em harmonia e paz. Na
expressão sucinta e correta do Pe. Martinho Gusmão, esta situação deve-se ao
“mérito” do povo, não pela “virtude” dos governantes.
Em suma, perguntamo-nos aos
políticos, parafraseando Goetzee “por que o palco político tem de ser um anfiteatro gladiatório (de
matar ou morrer) em busca de poder,
honra e riqueza, em vez de, digamos, uma colmeia ou um formigueiro cooperativos
e movimentados” (citado em Bauman, 2016, 29. italico é nosso) em busca de Summum
Bonum e Bonum Commune de todos os povos nesta Magna Domus Fraternitas: Timor-Leste?
Pois, uma decisão política tem sempre o seu próprio custo – concluindo Bauman -
o preço é pago na moeda em que é pago geralmente o preço da má política — o do
sofrimento humano.
Bibliografia
BAUMAN, Zygmunt e MAURO, Ezio, Babel:
Entre a incerteza e a esperança, Rio Janeiro, Zahar Editor, 2016.
BAUMAN, Zygmunt, Em busca da
Política, Rio de Janeiro, Zahar Editor, 2000.
BAUMAN, Zygmunt, Entrevista:
Estamos num estado de interregno. Vivemos na modernidade líquida, Globo News, 1
de janeiro de 2016.
BOBBIO, Norberto, O Futuro da
Democracia - Uma defesa das regras do jogo, Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra,
6.ª Edição, 1986.
Norberto BOBBIO, Nicola MATTEUCCI
e Gianfranco PASQUINO, Dicionário de Política, Brasília, Editora Universidade
de Brasília, 11ª ed., 1998.
GUTERRES, Francisco, Mensagem de
Sua Excelência Presidente da República sobre a situação política em Timor-Leste,
Díli, 26 de janeiro de 2018.
(NB: Opinião pessoal do cidadão
da Aldeia Cassamou, Suco Seloi Craic, Município Aileu)
Sem comentários:
Enviar um comentário