Pequim, 15 set (Lusa) - Analistas
alertam para uma possível bipolarização gerada pela guerra comercial entre
Pequim e Washington, à medida que os EUA procuram uma aliança com a Europa e o
Japão para contrariar as ambições chinesas no setor tecnológico.
O jornal Financial Times avançou
que o secretário do Tesouro norte-americano, Steven Mnuchin, quer reunir-se com
o vice-primeiro-ministro chinês, Liu He, numa altura em que Washington
prepara taxas alfandegárias sobre um total de 200 mil milhões de dólares (172
mil milhões de euros) de importações oriundas do país asiático.
O Presidente norte-americano,
Donald Trump, impôs já taxas de 25% sobre 50 mil milhões de dólares (43 mil
milhões de euros), e Pequim retaliou com impostos sobre o mesmo montante de
bens importados dos EUA.
No entanto, em entrevista à
agência Lusa, Gao Zhikai, um dos mais conhecidos comentadores da televisão
chinesa, lembra que, para "um país como a China", ceder às exigências
de Trump "não é uma opção".
"A China não está para
receber lições dos EUA", diz. "Se a Casa Branca está à espera que a
China sucumba, se ajoelhe, está a ser totalmente irrealista".
Em causa está a política de Pequim
para o setor tecnológico, nomeadamente o plano "Made in China 2025",
que visa transformar o país numa potência tecnológica, com capacidades em
setores de alto valor agregado, como inteligência artificial, energia
renovável, robótica e carros elétricos.
Os EUA consideram que aquele
plano, impulsionado pelo Estado chinês, viola os compromissos da China em abrir
o seu mercado, nomeadamente ao forçar empresas estrangeiras a transferirem
tecnologia e ao atribuir subsídios às empresas domésticas, enquanto as protege
da competição externa.
Antigo intérprete de Deng
Xiaoping, formado em língua inglesa e com um mestrado em Ciências Políticas
na Universidade de Yale, Gao Zhikai admite que a guerra comercial instalada é
"algo sem precedentes", mas "não é aquilo que a China
quer".
"Os EUA, basicamente,
impuseram-nos isto", diz.
Mas as queixas de Washington são
também partilhadas pela União Europeia e o Japão, que ficam com a maior margem
de lucro na cadeia de distribuição global - a China fabrica 90% dos telemóveis
e 80% dos computadores do mundo, por exemplo, mas continua dependente de
tecnologia e componentes oriundos daqueles países.
Após um período em que Trump confrontou
todos os seus principais parceiros comerciais, têm agora surgido sinais de
apaziguamento e até de uma possível aliança entre as diferentes partes, visando
impedir a China de quebrar com o 'status quo'.
Em dezembro passado, o
representante do Comércio norte-americano, Robert Lighthizer, reuniu-se com os
homólogos da União Europeia e do Japão, para discutir estratégias comuns no combate
a "práticas comerciais injustas" por "terceiros países"
através de "vastos subsídios, que distorcem a livre concorrência, e
grandes grupos estatais, que forçam a transferência de tecnologia".
Em julho passado, durante a
cimeira China - UE, as autoridades europeias defenderam que "há melhores
formas de lidar com os problemas" do que a estratégia seguida por Trump,
mas que Bruxelas "partilha das mesmas preocupações que os EUA" sobre
a falta de acesso a vários setores da economia chinesa.
Citado pelo jornal Financial
Times, Eswar Prasad, antigo diretor do Fundo Monetário Internacional para a
China, considera que um possível ataque coordenado ao modelo chinês de
"capitalismo de Estado", deixa Pequim "muito ansioso".
Em reação, as autoridades
chinesas têm procurado o apoio dos seus aliados tradicionais, nomeadamente a
Rússia.
Esta semana, o Presidente chinês,
Xi Jinping, e o seu homólogo russo prometeram trabalhar em conjunto para
enfrentarem o protecionismo, unilateralismo e "ações económicas
hostis", numa referência a Trump.
"O risco de a China e os EUA
entrarem numa nova guerra fria está a aumentar", admite Tu Xinquan,
professor na Universidade de Economia e Negócios Internacionais de Pequim.
Uma renovada bipolarização na
cena internacional preocupará também uma classe média chinesa habituada a
viajar, consumir e estudar no ocidente.
"Receamos que a China se
volte a isolar", comenta à Lusa uma jornalista chinesa. "Seria um
retorno indesejado".
JPI // FPA
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