Díli,
10 Out (Lusa) - Sonhos de Timor-Leste e um cabaz de experiências musicais do
continente asiático influenciam o álbum mais recente da compositora e cantora
norte-americana Jen Shyu que faz uma viagem às raízes da sua família timorense.
Filha
de pai taiwanês e mãe timorense, Shyu já no passado tinha mergulhado no mundo
lusófono, com a poesia da brasileira Patricia Magalhães a marcar o álbum
"Inner Chapters", maioritariamente cantado em português.
"Sounds
and Cries of the World" é o trabalho mais recente de Jen Shyu, uma
vocalista de jazz experimental e uma multi-instrumentista que canta em inglês,
coreano, indonésio e tétum - é fluente em mandarim, português e espanhol.
Em
entrevista à Lusa, Jen Shyu recordou a sua primeira visita a Timor-Leste, em
2010, os sonhos que a marcaram durante essa estadia de três meses -
"escrevia-os de manhã, ao acordar" - e a influência das viagens
musicais que tem feito.
"Tornou-se
um aspeto central do meu processo criativo. Estudo música tradicional e
tradição como compositora que respeita e honra essa linguagem. Cada vez mais
músicos de jazz mergulham nesta linguagem tradicional, que incorporam na sua
sonorização", explicou.
Sobrinha
de um dos maiores empresários de Timor-Leste, Tony Jape, a artista
norte-americana recorda o primeiro contacto com as raízes da sua mãe.
"Até
essa visita conhecia pouco de Timor-Leste. A minha mãe apenas me falava da
beleza, da paz, da tranquilidade da sua infância em Díli, de onde saiu com 14
anos, cerca de 1959 ou 1960", contou.
Apesar
de ter estado a estudar em Taiwan, a mãe só conheceria o pai, taiwanês, quando
ambos estavam a estudar nos Estados Unidos, país onde ficaram a residir e onde
Jen Shyu nasceu.
"Só
comecei a saber mais de Timor quando terminei a universidade e comecei a
interessar-me por estas explorações das minhas próprias raízes e, ao mesmo
tempo, das explorações destas músicas tradicionais", explicou.
Praticamente
todos os temas do álbum são diretamente influenciados pela sua visita a
Timor-Leste, ecoando os seus sonhos e os de uma artista timorense, a Kiki
Zelara, que integra o coletivo artístico timorense Arte Moris.
A
influência timorense no álbum estende-se à capa que é uma pintura de Maria
Madeira, uma artista timorense residente na Austrália e reflete até passagens
do extenso relatório da Comissão de Acolhimento Verdade e Reconciliação (CAVR)
timorense.
"Song
for Naldo" é um dos exemplos mais poderosos, recordando na letra a tortura
a que os timorenses foram sujeitos e retratando os sonhos que Jen Shyu construiu,
de forma quase orgânica, compondo letra e música ao mesmo tempo, ao som do
Gatkim, uma "Guitarra da Lua" taiwanesa.
Uma
fusão que inclui uma canção tradicional que aprendeu a "cantar em tétum
com o mestre Marçal" nos arredores de Aileu, a sul de Díli.
A
sua música é experimental e eclética, vertendo as múltiplas influências que têm
marcado a sua vida e os efeitos das investigações e pesquisas que realizou
durante viagens a vários países.
O
componente lírico mistura-se entre o surreal e o imaginário, com a música a
soar a improviso e a beneficiar de músicos que se adaptam a esse estilo:
Ambrose Akinmusire na trompeta, Mat Maneri no violino, Thomas Morgan no baixo e
Dan Weiss na bateria.
Aplaudida
pela crítica - o The Guardian descreve-a como um "fenómeno notável",
Jen Shyu tem já um extenso trabalho de estúdio, com vários álbuns de lançamento
digital, a que se somam vários projetos especiais.
Vencedora
do Premio Doris Duke Impact Award em 2014 e antigo membro da banda Five
Elements de Steve Coleman, Jen Shyu quis no novo projeto recuperar música
tradicional de Timor-Leste, Indonésia, Coreia e Taiwan.
Uma
viagem introspetiva às suas raízes com influências do que foi aprendendo, desde
o folk taiwanês conhecido como Hengchun minyao, ao shochang, um tipo de
performance que envolve canto e fala.
Música
tradicional timorense, os contos musicais pansori, da Coreia do Sul -
acompanhados de gayageum, um instrumento local de 12 cordas - e a música
indonésia gamelan somam-se na experiência sonora da artista.
Aspetos
que transformam o jazz que Jen Shyu continua a considerar o fio condutor do seu
trabalho.
"Sei
que não é uma música fácil. Mas não estou interessada em fazer coisas fáceis ou
normais. Como artista chegar a quem és é difícil mas o que pretende é chegar à
essência de quem sou. Esta é uma jornada musical mas também uma jornada
pessoal".
ASP
// PJA
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