Díli,
17 dez (Lusa) - A ex-ministra das Finanças timorense recorreu da decisão do
Tribunal de Díli, que a está a julgar, lhe aplicar a prisão preventiva e de ter
indeferido um pedido de delegação do processo em tribunais portugueses.
O
recurso de Emília Pires, obtido hoje pela Lusa, foi apresentado no Tribunal de
Recurso na quarta-feira e questiona a validade do despacho oral de 30 de novembro
do Tribunal de Díli no âmbito do processo em que é acusada, com a
ex-vice-ministra da Saúde Madalena Hanjam.
As
duas são acusadas de participação económica em negócio e administração danosa
por supostas irregularidades na compra de centenas de camas hospitalares em
contratos adjudicados à empresa do marido da primeira, com um suposto conluio
entre os três para a concretização do negócio, no valor de 800 mil dólares.
A
defesa reitera que este último despacho do Tribunal de Díli é "mais um
exemplo" de um tribunal que "continua a cometer graves atropelos à
lei, emitindo decisão injustas que nem são minimamente fundamentadas".
Na
sessão do dia 30 de novembro - em que marcou para a próxima terça-feira a
leitura da sentença do processo - o coletivo de juízes deliberou substituir a
medida de coação aplicada a Emília Pires, que passou de proibição de se
ausentar do país sem autorização para prisão preventiva, emitindo um mandado de
captura.
A
defesa considera que "não assiste qualquer razão" para o Tribunal ter
alterado a medida de coação e argumenta que "não têm qualquer cabimento
nem consagração legal" os fundamentos usados pelo Tribunal para rejeitar a
delegação do processo em tribunais portugueses.
O
tribunal fundamentou a sua recusa na "inadmissibilidade legal da delegação
do procedimento após a prolação do acórdão", no "desconhecimento da
nacionalidade portuguesa da recorrente, na medida em que esta foi membro do
Governo de Timor-Leste", na suposta "existência de tratado entre
Portugal e Timor-Leste" que permite a delegação e na "violação da
soberania do Estado de Timor-Leste".
A
decisão foi anunciada sem a presença em Díli de Emília Pires que tinha sido
autorizada pelo Tribunal a viajar em representação do Estado timorense e que,
segundo a defesa, foi obrigada por motivos de saúde a adiar o seu regresso a
Timor-Leste.
Segundo
a defesa, um acidente agravou uma lesão antiga obrigando a intervenção
cirúrgica, o que impediu o seu regresso a Timor-Leste no prazo previsto. Foi
operada em 05 de novembro na Austrália e está em Portugal para tratamentos
médicos especializados adicionais.
A
defesa contesta no recurso de 32 páginas haver vários acordos de cooperação
judicial entre Portugal e Timor-Leste, que o processo em causa não se reporta a
um facto "que constitua infração de natureza política ou infração conexa a
infração política" e se cumprem os requisitos da lei de cooperação
judiciária internacional penal.
Entre
os argumentos apresentados, a defesa rejeita a tese do Tribunal de que a
delegação do caso representaria perda de soberania, considerando que o pedido
de delegação está previsto em convenções internacionais assinadas por
Timor-Leste e numa lei aprovada pelo Parlamento Nacional timorense.
A
defesa rejeita ainda que Emília Pires se tenha tentado evadir, considerando que
se quisesse fugir "não teria informado as autoridades sobre o seu
paradeiro" e muito menos apresentado um pedido de delegação do
procedimento para Portugal que, "sendo deferido, conduzirá à sua
perseguição penal nesse país".
A
polémica que marcou a reta final do caso, o mais mediático da história do
sistema judicial do país, subiu de tom depois de, no passado dia 19 de
novembro, a Lusa ter noticiado que a ex-ministra solicitou a delegação do seu
processo para Portugal, alegando falta de capacidade ou vontade de assegurar
justiça por parte do sistema judicial timorense.
O
requerimento de Emília Pires não pretendia impedir o Tribunal de Díli de
proferir o acórdão, mas apenas que eventuais recursos sejam julgados em
tribunais portugueses, sustentando que a possibilidade do pedido de
"transmissão de processo penal" está definido na lei timorense
15/2011, sobre Cooperação Judiciária Internacional Penal.
Este
artigo, que prevê que processos-crime instaurados em Timor-Leste "podem
ser delegadas num Estado estrangeiro que as aceite", inclui entre as
condições exigidas aspetos como o tempo de pena máximo possível ou que o
arguido tenha a nacionalidade do Estado estrangeiro.
Desde
este requerimento, a imprensa timorense tem estado dominada por críticas de
vários quadrantes políticos e de representantes da sociedade civil timorense à
ação de Emília Pires, com insultos a multiplicarem-se nas redes sociais e
debates sobre o facto de a ex-governante recorrer à sua segunda nacionalidade,
a portuguesa.
Uma
situação que levou Dionísio Babo, ministro de Estado, Coordenador dos Assuntos
da Administração do Estado e da Justiça, a afirmar, em declarações à Lusa, que
Emília Pires está a ser alvo de um "julgamento na imprensa", com
notícias que "manipulam" e intoxicam o debate e ignoram os seus
direitos fundamentais.
Em
março do ano passado, numa entrevista à Lusa, Emília Pires disse que os
tribunais a queriam usar como "vingança" contra o Governo e que a
tinham informado de que seria condenada a 10 anos de prisão.
Nas
alegações finais, em 20 de setembro último, o Ministério Público deu tudo como
provado e pediu uma pena de prisão de dez anos para Emília Pires e Madalena
Hanjam.
ASP
// MSF
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