terça-feira, 26 de maio de 2015

Macau: A PEDRADA NOS CASINOS VAI DAR CABO DE MUITA GENTE!

Albano Martins* -  Tribuna de Macau, opinião

Só nos primeiros quatro meses deste ano o Governo de Macau perdeu cerca de 12,5 mil milhões de patacas em receitas sobre os jogos de fortuna e azar relativamente ao ano anterior! Se a esse valor acrescentássemos um  crescimento “nominal”, a um dígito, por exemplo, de oito por cento (o que significa em termos práticos, um crescimento real quase nulo), o Governo de Macau terá perdido qualquer coisa como 13,5 mil milhões de patacas, números redondos, apenas nos primeiros quatro meses do ano! O suficiente para pagar, se a minha memória me não falha, em quatro meses, o que constitui o desastre completo que foi até hoje o lançamento do metro sem um gestor de obra qualificado!

O suficiente para fazer “montanhas” de habitações gratuitas, repito, gratuitas, de boa qualidade, para toda a comunidade, resolvendo problemas que incomodam a governação local e o governo central!

Francamente, não percebo.

Não percebo porque se insiste nessa tecla de amarrar a indústria do jogo local a três por cento de crescimento médio anual das mesas do jogo até 2023!

Como não se tem pedalada para acompanhar os seus desafios, vai-se pela maneira mais simples, que é amarrá-la com um cordel muito curto, de tal modo curto que deixa de se poder mover, num ambiente internacional altamente competitivo e em desenvolvimento acelerado!

Que os deuses estão loucos é coisa que não me perturba, mas que os homens que vivem numa terra de paz destruam a sua riqueza presente e a única para os próximos 20 anos, apenas para se entreterem a dar tiros para o lado, para trás mas não para a frente, isso ultrapassa já o simples bom senso e, vá lá, o simples bom gosto também!

Temos por cá muitos masoquistas!

Acredito que esses três por cento terão sido inteligentemente “encomendados” por quem gostaria de controlar o crescimento dos novos “adversários” que apareceram num mercado liberalizado que crescia fora das suas portas!

Hoje, toda a gente quer ir para o Cotai e o tiro, historicamente compreensível mas irracional do ponto de vista económico, vai acabar por sair pela culatra, claro, depois de fazer muita mossa a toda a indústria, ao próprio governo de Macau e aos negócios que vivem nas barbas do jogo!

Muito negócio. Acreditem.

Estamos a falar, por um lado, em mais de 100 mil milhões de patacas que vai ou está a ser investido no Cotai pelas seis operadoras, mais do que duplicando o espaço de jogo e de investimento oferecido até agora!

Mas para quem não é sensível a esses números,  estamos a falar ainda, que há muita gente que não se lembra ou sabe muito pouco sobre essa indústria, num consumo intermédio dos casinos (= ao que a indústria compra para poder produzir)  que representa qualquer coisa como o dobro do lucro operado pela indústria e sessenta e três por cento de toda a sua produção!

Dados oficiais de 2013,  os mais recentes divulgados pela DSEC!

Para os que têm constantemente uma faca afiada contra o jogo, é bom que pensem nos efeitos directos da quebra brutal das suas receitas nos negócios em Macau!

Não tenho nada a ver com essa indústria. Não tenho nenhuns interesses nem sou consultor de grupo algum ligado a essa esfera. E muito menos do Governo.

Para ser honesto, odeio o jogo, enquanto distribuidor de riqueza!

Mas como economista, independentemente de que o jogo me possa agradar ou não, numa terra onde apenas ele se move como um peixe dentro de água,  vejo a evolução dessa única indústria de Macau com capacidade para gerar riqueza, a montante  e a juzante, entrar numa senda complicada, no meio de instabilidade desnecessária e de incertezas que deviam estar já devidamente colocadas de lado, a poucos anos do termo das licenças de jogo!

Está-se a tirar a água ao peixe!

É preocupante que a nova fase do Galaxy receba apenas cento e poucas mesas de jogo, quando o que se pretende mesmo é jogo de massas e não VIP!

Se o desenvolvimento do jogo não gerar recursos suficientes, a componente não-jogo dos casinos não terá capacidade para ser financiada e logo não sobreviverá à quebra das receitas! Sobretudo se ainda por cima se pretende pôr travão à entrada de visitantes!

Dizem-me os defensores do machado de guerra contra os casinos que a bolha do imobiliário e a inflação, bem como toda a complicação gerada na cidade (tráfego e montanhas de gente pelas ruas, etc), foram gerados essencialmente pelo crescimento colossal dos casinos.

Claro, mas num cenário de ineficiência total do Executivo, incapaz de atacar os efeitos negativos do crescimento do jogo pela forma mais correcta, que não é a de matar a galinha dos ovos de ouro, a única que pode fazer Macau continuar a crescer e juntar fundos suficientes para resolver os problemas complicados de hoje e os que que lhe vão complicar o futuro!

Em vez de se atacar a inflação pela forma correcta, de se atacar o entupimento completo das infraestruras, dos passeios cheios de visitantes, do conflito entre peões e tráfego, de um imobiliário que está a destruir os negócios e a estabilidade da vida familiar de toda a gente, o Governo tem preferido assobiar para o lado invocando a economia livre, a mesma economia livre que não permite que o jogo possa desfrutar!

Fazendo, zero!

O que é preciso fazer-se para se anular ou pelos menos controlar de forma eficaz os efeitos nocivos do jogo, em vez de se limitar o crescimento do número de mesas ou dos visitantes?

Combater a inflação de forma eficaz!

Acho piada que venha o governo dizer que uma das causas do aumento da inflação é o crescimento dos preços da componente “refeições fora de casa”.

Mas já perguntaram porquê que ela sobe?

Então eu digo: porque as rendas sobem, as matérias primas sobem, os salários sobem porque não há mão-de-obra alternativa, mais por isso do que pela força do volume de turistas ou da procura pelos residentes!

Combater o imobiliário de forma eficaz!

Colocando habitação pública no mercado e preços controlados mas não a preços especulativos do mercado. Não subindo os prémios das terras, como se fez, que isso se repercute para a frente para o preço final da habitação ou da renda, mas exigindo em contrapartida preços acordados ou mais controlados.

Acabando com o peg, que tem encarecido tudo e um dos responsáveis pelo aumento brutal dos materiais de construção e da enorme procura especulativa no sector imobiliário, só para dar alguns exemplos.

Entregando muitas ruas aos cidadãos, por exemplo, no centro da cidade e nas zonas históricas, desviando o trânsito e não a população para passagens subterrâneas. Claro que é hoje bem mais difícil fazer-se isso, mas também o foi quando o largo do Leal Senado foi implementado!

Fazendo-se parques de estacionamento espalhados por toda a cidade, ou à sua entrada, etc, etc.

Actuar sobre um mercado que se move de forma irracional em proveito de meia-dúzia de tubarões e de um capital sem rosto, é violar as regras de uma economia livre, dizem!

Mas não é violar essas mesmas regras actuar sobre a liberdade dos casinos poderem decidir, assumindo o risco próprio do negócio, quantas mesas mais vão precisar?

Santa paciência!

* Economista. Escreve neste espaço às sextas-feiras.

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