Luís
A. Gomez, Calcutá - Opera Mundi
Durante
15 anos, esse tipo de atividade na web foi crime; uso abusivo da lei por parte
de políticos e de policiais levou centenas de cidadãos à prisão
Na
manhã de quinta-feira, 12 de abril de 2012, Ambikesh Mahapatra recebeu por
e-mail uma charge política. O desenho criticava a ministra-em-chefe de Bengala
Ocidental, Mamata Banerjee. Mahapatra, um professor universitário com quase
vinte anos de carreira em Calcutá, fez a charge circular, como muitos outros o
fizeram. À noite, a polícia invadiu a casa dele e o forçou a escrever uma
confissão. Mahapatra pagou fiança para não ir à prisão, mas foi levado a
julgamento. A ministra Banerjee, justificando o ocorrido, disse que o professor
era “parte de um complô para eliminá-la”, comandado pelo Partido Comunista da
Índia (Maoista).
Mahapatra
foi acusado de “difamar” a ministra e de outros doze crimes, segundo a ata da
polícia. Entre eles, o de “enviar mensagens falsas e ofensivas pelos serviços
de comunicação”, crime estabelecido pela seção 66A da Lei de Informação e
Telecomunicações. O caso continua em aberto e Mahapatra trabalha “na criação de
um movimento contra a censura e o acosso político em Calcutá”. Ele afirma não
se arrepender de ter enviado a mensagem.
Meses
depois da prisão do professor, dois adolescentes de Mumbai criticaram no
Facebook o fato de o funeral de um político de extrema direita paralisar sua
cidade em um domingo. O parágrafo publicado por Shaheen Dhada, que não continha
nenhum insulto ou acusação grave, terminava assim: “Mumbai está paralisada por
medo, não por respeito”. Sua amiga Renu Srinivasan deu um like no post.
Na
segunda-feira, 19 de novembro, a polícia prendeu as duas. Shaheen e Renu foram
acusadas de “ferir os sentimentos religiosos” da família de luto (um crime
muito sério na Índia) e, de novo, de enviar mensagens ofensivas. Um juiz local
ditou duas semanas de custódia judicial e as garotas pagaram fiança para não ir
à prisão. O caso também segue em aberto.
Centenas
de pessoas passaram pela mesma coisa que Mahapatra, Shaheen e Renu. Há 170
casos registrados por violações à Lei de Informação e Telecomunicações (seção
66A) e centenas mais que foram absolvidos em primeira instância desde o ano
2000 e até há menos de um mês. A grande maioria deles é de menores de 35 anos.
Nem todo mundo ficou quieto.
“Quando
proibiram meu site na internet”, diz Aseem Trivedi em entrevista a Opera
Mundi, “entrei em contato com algus ativistas da liberdade de expressão online,
e soube que há muitas normas na Lei de Informação e Telecomunicações para nos
censurar. Junto a alguns amigos, começamos uma campanha contra a censura na
internet. Chamamos de 'Proteja sua voz'".
O
escudo e a rebelião
Aseem
Trivedi é um homem jovem, magro e usa óculos. Sua voz é doce e ele fala sem
alterações na voz, pausadamente. Em 2012, fazia parte de um movimento contra a
corrupção liderado por uma ativista que é quase uma lenda na Índia, Anna
Hazare. Trivedi tinha 25 anos e uma página na internet na qual costumava
publicar charges políticas. Um dia, no final de agosto, publicou uma charge em
que parodiava o símbolo nacional hindu.
Entre
lutar pela liberdade de expressão contra a Lei de Informação e Telecomunicações
e criticar a corrupção, Trivedi forneceu motivo suficiente para a polícia
acusá-lo de vários crimes. Primeiro, por desonrar o símbolo, depois por enviar
mensagens ofensivas (outra vez, a seção 66A) e finalmente por rebelião. Ficou quatro
dias preso, “ainda que, de fato, a prisão tenha feito o movimento crescer”,
explica.
O desenhista enfrentava sentenças tão sérias como a possibilidade de ser
enforcado. Mas, assim que conseguiu uma fiança, começou a se defender. Seu caso
teve muita repercussão nos últimos anos. Graças a isso, Trivedi foi inclusive
participante de uma temporada da versão hindu do Big Brother e o Anonymous
atacou algumas páginas do governo exigindo sua absolvição total. Mas, no final
das contas, ele diz, não tem sido muito difícil.
“Alguns
políticos estavam irritados com minhas charges. Proibiram meu site e me
prenderam”, conta. “Mas não recebi nenhuma ameaça séria. A situação poderia ser
diferente se eu tivesse atacado alguma religião com as minhas charges. Por
sorte, as sátiras políticas são um tanto seguras aqui. Podem te levar para a
prisão, mas não podem colocar sua vida em perigo.”
O
caso de Aseem Trivedi continua aberto por desonrar o símbolo nacional, mas nos
meses seguintes foi retirada a acusação de rebelião. Há duas semanas, a Seção
66A foi revogada pela Corte Suprema da Índia. “Foi um alívio”, diz Trivedi,
que, entre outras coisas, levou uma petição ao tribunal que foi apresentada por
uma advogada de 24 anos, principal artífice de uma ação legal que teve o apoio,
inclusive, de empresas como o Facebook e o Twitter, que mostraram suas preocupações
frente às limitações legais à liberdade de expressão na Índia.
Democracia
circular
Shreya
Singhal é uma advogada de origem muçulmana de 24 anos, seus pais são advogados
e ela estudou uma parte de seu ofício na Inglaterra, de onde voltou para a
cidade de Délhi em 2012. Assim que desembarcou na Índia, leu a notícia sobre a
detenção das duas adolescentes em Mumbai. “Ser presa por expressar sua opinião
em uma rede social não tem sentido”, disse. Ela discutiu o assunto com a mãe
dela (entre advogados, leia-se) e decidiu entrar com uma petição contra a seção
66A da Lei de Informação e Telecomunicações. No dia 29 de novembro de 2012,
Shreya e alguns advogados e ativistas fizeram sua parte.
A
corte demorou 15 meses para fazer a parte dela. Dias antes de a sentença que
revogava a Seção 66A sair, o jovem de 18 anos Gulrez Khan foi preso por
compartilhar informação falsa sobre um político. Como os outros, o caso de Khan
continua aberto apesar da revogação, mas ele e sua mãe estão tranquilos e
esperam que seja absolvido.
Por
sua vez, Shreya Singhal, que em suas ações legais coincidiu com ativistas como
Trivedi e advogados de todo o país sobre direitos civis e liberdade digital, é
hoje uma celebridade, mas não perde a serenidade. Ela e todos do caso,
incluídos os ministros da Corte Suprema, entendem que seu maior mérito foi o de
aplicar o senso comum a uma lei que permitia o abuso policial e político das
pessoas - e denunciá-lo.
Ainda
que quase todos os casos contra ativistas e cidadãos continuem abertos, Aseem
Trivedi diz que há tranquilidade. “Agora a polícia não poderá prender alguém
tão facilmente com a ausência da Seção 66A.”
Em
uma entrevista à revista Kindle, Singhal explicou sua visão apoiada na
história. Segundo a jovem advogada, a Índia é um país cheio de gente capaz de
se expressar e lutar por seus direitos. “E isso”, dizia, “é a beleza de uma
democracia secular – é um ambiente que permite o debate saudável e a diferença
de opiniões.”
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