Díli,
18 mai (Lusa) - Espalhados pelo vasto arquipélago indonésio, há milhares de
timorenses que, à força, ainda crianças, foram retirados às suas famílias, das
suas terras e levados para milhares de quilómetros de distância, obrigados a
mudar de religião e até de nome.
Vítimas
praticamente invisíveis da ocupação indonésia de Timor-Leste e que, ainda hoje,
continuam sem ver a família, sem regressar à sua terra natal, sem saber sequer
se os familiares estão vivos ou onde se encontram.
Do
lado de Timor-Leste, os seus familiares procuram por eles, sem saber onde se
encontram. Em alguns casos, até já fizeram o luto, deixando perto de casa
túmulos sem corpo a lembrar um filho ou uma filha perdida.
Um
pequeno grupo de 11 homens e mulheres, alguns já pais e mães, chegou esta
semana a Timor-Leste, a maioria pela primeira vez desde que foram roubados às
famílias e levados para cidades e vilas na Indonésia.
Galuh
Wandita, da organização Asia Justice and Rights, com sede em Jacarta - e
responsável por este programa de reunião familiar - explicou à Lusa que se
trata de encontrar a "geração roubada", um grupo de pelo menos 4.000
timorenses - segundo o relatório da Comissão de Acolhimento Verdade e
Reconciliação (CAVR) - que terá sido levado de Timor-Leste.
"Estamos
a procurar sobreviventes de um grupo que eu acho que pode ser muito maior do
que essa estimativa de 4.000. Para já, só estamos a trabalhar com contactos com
outros sobreviventes, que se lembram de pessoas ou conhecem outras",
explicou.
Hoje
com as suas vidas na Indonésia, é particularmente complexo procurar as
reuniões.
"É
uma questão muito sensível para eles. Vivem na Indonésia há muitos anos, estão
integrados nessa cultura e nesse país e nós tentamos apenas fazer a
ponte", explicou.
"De
um ponto de vista de direitos humanos, são crianças roubadas às famílias. Mas a
realidade é que hoje já têm eles as suas próprias famílias, estão em novas
comunidades", notou.
O
choque ao sistema que muitos sentem ao regressar pela primeira vez, depois de
muitos anos, é um sinal do drama pessoal que cada um viveu, separado da sua
infância e família com quem hoje têm até algumas dificuldades em comunicar, por
questões de língua ou outras.
Por
isso, antes de irem para as suas aldeias, passam um dia em Díli, com encontros
com líderes do país, incluindo o Presidente da República, e uma visita ao
Arquivo e Museu da Resistência Timorense.
Todos
têm nomes diferentes daqueles com que foram batizados: desapareceram os nomes
próprios e apelidos timorenses - ou portugueses - e são hoje conhecidos por
nomes indonésios, a maior parte muçulmanos.
Ernâni
Monteiro é Mubaraj Wotu Modo, Eugénio Soares é Muhammad Irfan, e a sua mulher,
com quem se casou em 2001, é também uma criança roubada, Dortea Hornai, agora
Siti Latifah Dortea.
Rosita,
hoje Rosnaeni, é uma das crianças roubadas há mais tempo. Em 1978 ela e a irmã
foram levadas à força da sua casa em Railakolete por elementos do batalhão
indonésio 612 para Makassar, onde, mais tarde, acabaram por ser separadas.
Rosita nunca mais viu a irmã.
As
promessas de uma educação, feitas pela família indonésia de acolhimento, nunca
se materializaram e Rosita passou a vida a trabalhar arduamente nos terrenos
agrícolas. Fugiu muitas vezes mas era sempre devolvida a casa.
Hoje,
já adulta, saiu de Makassar e vive em Sulawesi Central, ainda sem acesso à
educação que lhe foi prometida.
Outro
elemento do grupo, natural de Baucau, é uma das meninas roubadas em 1999,
durante a debandada final dos ocupantes indonésios.
Foi
levada como refugiada para Atambua, no lado indonésio da ilha, e, mais tarde
foi transportada num navio militar para Makasar, onde ficou ao cuidado da
Fundação Islâmica Ansar.
Instalada
com outras crianças numa casa de acolhimento, Teresa foi regularmente
espancada: não sabia rezar e era uma refugiada de Timor-Leste, de uma realidade
distante da comunidade onde, à força, foi integrada.
Mudaram-lhe
o nome, agora é a Sity Alma, é empregada doméstica e vive a quase 2.000
quilómetros de Baucau, na cidade de Malili, nas Celebes.
Gregório
Pinto, hoje Gregorio Muslimin, foi roubado à família quando tinha 11 anos, por
soldados do batalhão 724, que o levaram da sua casa na aldeia de Bikarin, em
Viqueque.
Hoje
vive em Batimurung, Sulawesi Sul, é casado e tem filhos, mas continua sem saber
o que aconteceu à sua família.
Mohammad
Ridwan, ou João Soares, e a irmã, Mika, foram roubados à família em 1997 por
soldados do batalhão 726 que os levaram para Sulawesi. Tinha nove anos.
Até
hoje continua à procura de Mika.
ASP
// VM
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