quinta-feira, 4 de abril de 2019

Tribunal timorense considera ilegais contratos de obras em edifício da Comissão Função Pública


Díli, 03 mar (Lusa) -- A Câmara de Contas timorense considerou ilegais, lesivos para o interesse do Estado e em benefício de duas empresas os contratos assinados para o desenho, supervisão e construção do novo edifício da Comissão da Função Pública em Díli.

Num relatório de auditoria ao projeto divulgado terça-feira escreve-se que o contrato para desenho e supervisão "não salvaguardou os interesses do Estado, nomeadamente financeiros, tendo resultado, isso sim, num benefício para a Pires Architects", empresa do atual ministro das Obras Públicas, Salvador Pires.

A obra -- que sofreu inúmeros atrasos e graves problemas técnicos -- também foi adjudicada sem salvaguardar os interesses do Estado à empresa Timor Lorosae Independent Co. (TLIC), a pior das cinco classificadas no concurso público, refere-se no relatório.

Em causa estão os "procedimentos de aprovisionamento e execução" de contratos de obras no valor de cerca de 3,45 milhões de dólares (três mlhões de euros) com a TLIC e de desenho e supervisão no valor de mais de 758 mil dólares com a Pires Architects.

A Pires Architects foi criada apenas em abril de 2009, um mês antes dos contratos serem assinados. Salvador Pires era arquiteto principal e chefe de equipa e apenas tinha no seu caderno de projetos a obra de um jardim de infância e uma proposta apresentada ao Governo para a Biblioteca Nacional.

A Câmara de Contas (CdC) divulgou terça-feira o relatório de auditoria de conformidade à 1.ª fase do projeto de construção do edifício da Comissão da Função Pública (CFP), cuja obra viria a sofrer várias paragens entre 2010 e 2014.

No relatório indica-se que a obra foi adjudicada à empresa pior classificada entre as cinco que apresentaram propostas técnicas, tendo sido uma das três excluídas por não ter atingido a avaliação mínima de 70 pontos, ficando-se apenas pelos 15.9.

"A adjudicação do contrato à TLIC foi feita à margem da lei. A empresa tinha sido excluída aquando da avaliação das propostas técnicas por não ter obtido a avaliação mínima requerida de 70 pontos, pelo que não deveria, sequer, ter sido considerada", considera-se.

"Face a tudo o que acima se expôs é forçoso concluir que a adjudicação do contrato à TLIC para a construção do novo edifício da CFP foi ilegal (...), tendo a decisão tomada visado beneficiar a TLIC em detrimento de todas as restantes quatro concorrentes", lê-se no texto.

No documento aponta-se que "a TLIC não tinha a experiência, a solidez comercial, nem a capacidade de execução e financeira necessárias para realizar uma obra da dimensão" deste projeto, algo conhecido quando o concurso foi realizado.

"A forma como a construção veio a desenrolar-se e os problemas registados desde o seu início, em novembro de 2010, até à sua paragem em finais de 2014, resultaram da decisão tomada em 2010", sublinha-se.

As explicações dadas à CdC no âmbito da auditoria pelo então primeiro-ministro, Xanana Gusmão, "não alteram os factos e conclusões acima expostos, constituindo, no essencial, uma tentativa de justificação 'a posteriori' para uma decisão [a de adjudicação do contrato à TLIC] que foi feita à margem da lei", refere-se no documento de 241 páginas.

O relatório considera, "sem qualquer margem para dúvidas" haver uma "desproporção significativa entre o que foi pago à TLIC, o que foi considerado realizado" pela Pires Architects e pelo Governo "e o que foi efetivamente realizado".

A CdC considerou "ilegais" os contratos assinados com a Pires Architects, por violarem vários dos principais princípios do aprovisionamento público, incluindo a legalidade e da obediência às normas legais, igualdade, concorrência, publicidade e transparência, prossecução do interesse público e imparcialidade.

No relatório afirma-se que "não se conhece qualquer experiência anterior da empresa e da respetiva equipa de supervisão (..) em trabalhos de fiscalização de empreitadas".

Além dos contratos principais o relatório visa ainda os adicionais, questionando a validade da sua assinatura, já que os contratos iniciais previam o regime de "lump sum", ou pagamento único, e já "num valor considerado muito elevado" face ao valor do projeto.

"Com a assinatura do 1.º adicional ao contrato, o mesmo passou a totalizar o valor de 585 mil dólares, correspondente a uma percentagem do valor da obra que não tem paralelo que se conheça em Timor-Leste (19,2%)", sustenta-se.

No relatório escreve-se que o Estado falhou ao longo da execução da obra, porque, "apesar da incapacidade demonstrada pela TLIC em executar a obra, evidente desde o início da empreitada", a CFP (dona da obra) e as entidades encarregadas da supervisão da obra, foram "procedendo à extensão do prazo para a sua conclusão, não obrigando a empresa a cumprir as suas obrigações contratuais e executar a obra".

"A incapacidade da empresa em executar a obra deveria ter levado o Estado, em devido tempo, a proceder à aplicação de penalizações à empresa ou, simplesmente, efetivar a resolução do contrato", refere-se.

Parte das ilegalidades cometidas não são "suscetíveis de eventual responsabilidade financeira sancionatória, uma vez que os factos ocorreram antes da entrada em vigor da Lei Orgânica da Câmara de Contas", acrescenta-se.

Ainda assim, no relatório inclui-se um mapa de eventuais "infrações financeiras e apuramento de responsabilidades", tanto sancionatórias como reintegratórias, por "pagamentos ilegais e indevidos".

Em concreto, trata-se de contratos de desenho e supervisão no valor de 30 mil dólares e de 208,5 mil dólares, com a responsabilidade a recair sobre o então presidente da CFP, Libório Pereira.

Um dos problemas mais graves foi a falta de impermeabilização das paredes da cave destinada ao arquivo da CFP, um problema cuja resolução se arrastou dois anos com uma execução "deficiente" que "não garantiu a eficaz impermeabilização da cobertura o que, a somar às fissuras significativas existentes, provocou a entrada de água pela cobertura", lê-se ainda no documento.

ASP // JMC

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