Díli, 03 mar (Lusa) -- A Câmara
de Contas timorense considerou ilegais, lesivos para o interesse do Estado e em
benefício de duas empresas os contratos assinados para o desenho, supervisão e
construção do novo edifício da Comissão da Função Pública em Díli.
Num relatório de auditoria ao
projeto divulgado terça-feira escreve-se que o contrato para desenho e
supervisão "não salvaguardou os interesses do Estado, nomeadamente
financeiros, tendo resultado, isso sim, num benefício para a Pires
Architects", empresa do atual ministro das Obras Públicas, Salvador Pires.
A obra -- que sofreu inúmeros
atrasos e graves problemas técnicos -- também foi adjudicada sem salvaguardar
os interesses do Estado à empresa Timor Lorosae Independent Co. (TLIC), a pior
das cinco classificadas no concurso público, refere-se no relatório.
Em causa estão os
"procedimentos de aprovisionamento e execução" de contratos de obras
no valor de cerca de 3,45 milhões de dólares (três mlhões de euros) com a TLIC
e de desenho e supervisão no valor de mais de 758 mil dólares com a Pires
Architects.
A Pires Architects foi criada
apenas em abril de 2009, um mês antes dos contratos serem assinados. Salvador
Pires era arquiteto principal e chefe de equipa e apenas tinha no seu caderno
de projetos a obra de um jardim de infância e uma proposta apresentada ao
Governo para a Biblioteca Nacional.
A Câmara de Contas (CdC) divulgou
terça-feira o relatório de auditoria de conformidade à 1.ª fase do projeto de
construção do edifício da Comissão da Função Pública (CFP), cuja obra viria a
sofrer várias paragens entre 2010 e 2014.
No relatório indica-se que a obra
foi adjudicada à empresa pior classificada entre as cinco que apresentaram
propostas técnicas, tendo sido uma das três excluídas por não ter atingido a
avaliação mínima de 70 pontos, ficando-se apenas pelos 15.9.
"A adjudicação do contrato à
TLIC foi feita à margem da lei. A empresa tinha sido excluída aquando da
avaliação das propostas técnicas por não ter obtido a avaliação mínima
requerida de 70 pontos, pelo que não deveria, sequer, ter sido
considerada", considera-se.
"Face a tudo o que acima se
expôs é forçoso concluir que a adjudicação do contrato à TLIC para a construção
do novo edifício da CFP foi ilegal (...), tendo a decisão tomada visado
beneficiar a TLIC em detrimento de todas as restantes quatro
concorrentes", lê-se no texto.
No documento aponta-se que
"a TLIC não tinha a experiência, a solidez comercial, nem a capacidade de
execução e financeira necessárias para realizar uma obra da dimensão"
deste projeto, algo conhecido quando o concurso foi realizado.
"A forma como a construção
veio a desenrolar-se e os problemas registados desde o seu início, em novembro
de 2010, até à sua paragem em finais de 2014, resultaram da decisão tomada em
2010", sublinha-se.
As explicações dadas à CdC no
âmbito da auditoria pelo então primeiro-ministro, Xanana Gusmão, "não
alteram os factos e conclusões acima expostos, constituindo, no essencial, uma
tentativa de justificação 'a posteriori' para uma decisão [a de adjudicação do
contrato à TLIC] que foi feita à margem da lei", refere-se no documento de
241 páginas.
O relatório considera, "sem
qualquer margem para dúvidas" haver uma "desproporção significativa
entre o que foi pago à TLIC, o que foi considerado realizado" pela Pires
Architects e pelo Governo "e o que foi efetivamente realizado".
A CdC considerou
"ilegais" os contratos assinados com a Pires Architects, por violarem
vários dos principais princípios do aprovisionamento público, incluindo a
legalidade e da obediência às normas legais, igualdade, concorrência,
publicidade e transparência, prossecução do interesse público e imparcialidade.
No relatório afirma-se que
"não se conhece qualquer experiência anterior da empresa e da respetiva
equipa de supervisão (..) em trabalhos de fiscalização de empreitadas".
Além dos contratos principais o
relatório visa ainda os adicionais, questionando a validade da sua assinatura,
já que os contratos iniciais previam o regime de "lump sum", ou
pagamento único, e já "num valor considerado muito elevado" face ao
valor do projeto.
"Com a assinatura do 1.º
adicional ao contrato, o mesmo passou a totalizar o valor de 585 mil dólares,
correspondente a uma percentagem do valor da obra que não tem paralelo que se
conheça em Timor-Leste (19,2%)", sustenta-se.
No relatório escreve-se que o
Estado falhou ao longo da execução da obra, porque, "apesar da
incapacidade demonstrada pela TLIC em executar a obra, evidente desde o início
da empreitada", a CFP (dona da obra) e as entidades encarregadas da
supervisão da obra, foram "procedendo à extensão do prazo para a sua
conclusão, não obrigando a empresa a cumprir as suas obrigações contratuais e
executar a obra".
"A incapacidade da empresa
em executar a obra deveria ter levado o Estado, em devido tempo, a proceder à
aplicação de penalizações à empresa ou, simplesmente, efetivar a resolução do
contrato", refere-se.
Parte das ilegalidades cometidas
não são "suscetíveis de eventual responsabilidade financeira
sancionatória, uma vez que os factos ocorreram antes da entrada em vigor da Lei
Orgânica da Câmara de Contas", acrescenta-se.
Ainda assim, no relatório
inclui-se um mapa de eventuais "infrações financeiras e apuramento de
responsabilidades", tanto sancionatórias como reintegratórias, por
"pagamentos ilegais e indevidos".
Em concreto, trata-se de
contratos de desenho e supervisão no valor de 30 mil dólares e de 208,5 mil
dólares, com a responsabilidade a recair sobre o então presidente da CFP,
Libório Pereira.
Um dos problemas mais graves foi
a falta de impermeabilização das paredes da cave destinada ao arquivo da CFP,
um problema cuja resolução se arrastou dois anos com uma execução
"deficiente" que "não garantiu a eficaz impermeabilização da
cobertura o que, a somar às fissuras significativas existentes, provocou a
entrada de água pela cobertura", lê-se ainda no documento.
ASP // JMC
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