quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Timor-Leste devia honrar como "heróis" os que denunciaram espionagem australiana - Senador


Díli, 31 out (Lusa) - O Estado timorense deveria reconhecer e homenagear como "heróis" dois homens que denunciaram a espionagem que a Austrália realizou a Timor-Leste durante as negociações para o tratado de fronteiras marítimas de 2004, disse hoje um senador australiano.

"Bernard Colllaery e a Testemunha K, na minha opinião, são heróis. Revelaram algo que era ilegal, que era condenável e não consistente com a forma como os australianos se comportam. E infelizmente estão a ser julgados pelo que fizeram", disse à Lusa em Díli o senador Rex Patrick.

"Na minha opinião, sem a ação destes dois homens, Timor-Leste não teria estado numa posição para renegociar o tratado. São, por isso, heróis para mim e deviam ser considerados heróis pelos timorenses", afirmou.

Os dois homens, um ex-agente dos serviços secretos australianos, conhecido como "Testemunha K" (a sua identidade nunca foi revelada publicamente) e o seu advogado, Bernard Collaery, estão a ser julgados acusados de conspiração pelas autoridades em Camberra.

Em causa está uma denúncia por parte da "Testemunha K", que divulgou um esquema de escutas montado em 2004 pelos serviços secretos australianos em escritórios do Governo timorense, em Díli.

De acordo com os relatos, através das escutas, o Governo australiano obteve informações que permitiriam favorecer as intenções australianas nas negociações com Timor-Leste da fronteira marítima e pelo controlo dos poços de Greater Sunrise.

Os acusados, que regressam na quinta-feira ao tribunal, enfrentam uma pena máxima de dois anos de prisão, se forem considerados culpados. O Governo australiano tem defendido que dada a natureza do conteúdo do caso o que ocorre no tribunal deve ser 'fechado', algo contestado pela defesa e por críticos da decisão de acusar os dois homens.

"Estiveram, solidamente, levantados por Timor-Leste e agora não podem ser abandonados por Timor-Leste. Não há dúvida de que podem ser condenados à prisão", disse Patrick.

Motivo pelo qual, insiste, o seu papel deve ser reconhecido de alguma forma pelas autoridades timorenses.

"Sei que em termos internacionais a Austrália não interferiria em questões judiciais timonasses e Timor-Leste não interfere em questões judiciais australianas", disse.

"Mas isso não significa que não se possa mostrar apoio absoluto pelos dois e uma das formas que isso pode ocorrer pode ser através de uma honra de Estado, uma medalha, porque fizeram algo muito bom para Timor-Leste", afirmou.

Patrick, que está em Díli para uma visita de cinco dias de uma delegação parlamentar australiana - a primeira a Timor-Leste desde 2011 - considera que "todos os australianos razoáveis concordariam com esta premissa".

A "Testemunha k" está sem passaporte há vários anos e impedido de sair do país, e Collaery foi impedido de falar do processo e alvo de rusgas durante as quais as autoridades confiscaram documentos de Timor-Leste.

Só em maio de 2015 é que o Governo australiano aceitou devolver a Timor-Leste os documentos que tinha confiscado na rusga que uma equipa de agentes da ASIO (Organização Australiana de Serviços Secretos) fez a 03 de dezembro de 2013, aos escritórios de Collaery.

Os documentos forneciam "detalhes sobre atividades de espionagem por parte da Austrália em relação a Timor-Leste, durante a negociação do CMATS", o que levou o Estado timorense a apresentar uma queixa contra a Austrália junto do Tribunal Internacional, em Haia.

A 03 de março de 2014, o Tribunal emitiu medidas provisórias a favor de Timor-Leste, com a imposição de uma injunção à Austrália de "não interferir de forma alguma na comunicação entre Timor-Leste e os seus consultores jurídicos" em relação à Arbitragem do Tratado do Mar de Timor (TMT), qualquer futura negociação bilateral sobre as fronteiras marítimas ou a procedimentos relacionados.

A austrália pediu em setembro de 2014 ao Tribunal Internacional de Justiça e à Arbitragem do Tratado do Mar de Timor um adiamento de seis meses às audiências para permitir aos dois países "procurar obter um acordo amigável".

Timor-Leste concordou com o pedido da Austrália, que era condicionado a Camberra aceitar falar sobre as fronteiras, tendo o prazo ampliado terminado em março de 2015. Só dois meses depois é que Camberra devolveu os documentos.

Numa entrevista à Lusa, em abril, na altura da campanha para as legislativas antecipadas, Xanana Gusmão, Presidente na altura em que as escutas foram realizadas, contou pela primeira vez à Lusa alguns dos contornos do caso.

Os dois países estavam a negociar o que seria conhecido como o Tratado sobre Determinados Ajustes Marítimos no Mar de Timor (CMATS), assinado em 2006 pelo então primeiro-ministro Mari Alkatiri, e que dava 10% das receitas da zona disputada à Austrália.

Xanana Gusmão explicou que foi em 2009 que teve conhecimento de que um espião australiano tinha colocado um sistema de escuta na sala do Conselho de Ministros timorense, durante o período em que decorriam as negociações do CMATS, lideradas por Alkatiri e José Ramos-Horta, lembrou.

"Fiquei com aquilo e ninguém mais soube. Porque só em fevereiro de 2013 é que o CMATS poderia ser trabalhado, porque até lá não havia licença nenhuma em causa. Esperei esse tempo todo", explicou.

Em dezembro de 2012, já primeiro-ministro, encontrou-se com a sua homóloga australiana em Bali, Julia Gillard, a quem falou do caso.

"Disse-lhe em Bali que tínhamos problemas, disse que não queria levantar o caso e disse para resolvermos isto entre nós sem fazer grandes ondas. Mandei carta, recusou, não fizeram nada. Mandei outra carta e nada. E então, é que já era tempo, levei ao tribunal internacional", explicou.

ASP // MAG

Revista australiana divulga 'beneficiados' com encobrimento de espionagem a Timor-Leste


Díli, 29 out (Lusa) - Uma revista online australiana divulgou hoje uma lista de altos responsáveis do país que terão beneficiado com o encobrimento do caso de espionagem a Timor-Leste quando os dois países estavam a negociar sobre o Mar de Timor.

A lista, divulgada pela revista Crikey, inclui o ex-primeiro-ministro australiano John Howard, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Alexander Downer, diplomatas e responsáveis dos setores judiciais e da secreta.

A revista inclui na lista 11 indivíduos e a petrolífera Woodside, "o maior beneficiário de todo o escândalo", tendo empregue "funcionários do Departamento de Negócios Estrangeiros e Comércio" e o próprio Alexander Downer.

"Quanto mais informações surgem não apenas sobre o escândalo, mas sobre a conduta da política externa regional da Austrália, mais claro se torna que os interesses comerciais da Woodside e de outras empresas de recursos têm sido um fator determinante nas políticas externas e de segurança da Austrália", refere a revista.

O artigo foi publicado para coincidir com o regresso ao tribunal, esta semana, de um ex-agente dos serviços secretos australianos, a 'Testemunha K' e ao seu advogado, Bernard Collaery, que foram acusados de conspiração pelo Ministério Público daquele país e que estão a ser julgados em Camberra.

Os acusados, que regressam na quinta-feira ao tribunal, enfrentam uma pena máxima de dois anos de prisão, se forem considerados culpados. O Governo tem defendido que dada a natureza do conteúdo do caso o que ocorre no tribunal deve ser 'fechado', algo contestado pela defesa e por críticos da decisão de acusar os dois homens.

Em causa está uma denúncia por parte da 'Testemunha K', que divulgou um esquema de escutas montado em 2004 pelos serviços secretos australianos em escritórios do Governo timorense, em Díli.

De acordo com os relatos, através das escutas, o Governo australiano obteve informações que permitiriam favorecer as intenções australianas nas negociações com Timor-Leste da fronteira marítima e pelo controlo da zona Greater Sunrise, uma rica reserva de petróleo e gás.

"Sob o pretexto da segurança nacional, os procuradores querem conduzir o julgamento fora da vista do público para evitar o constrangimento - e talvez pior - de várias pessoas, enquanto os advogados de K e Collaery argumentam que a acusação deve ser conduzida em audiência pública", refere o artigo, notando que a decisão do tribunal sobre esta questão deve ser conhecida na quinta-feira.

Entre os 12 que "beneficiariam por manter o segredo" do processo estão Alexander Downer, que "ordenou a operação da ASIS contra o Governo timorense, retirando recursos da luta contra o terrorismo na Indonésia para o fazer" e que, posteriormente, "conseguiu um emprego com o principal beneficiário das reservas submarinas de petróleo e gás de Timor-Leste, a petrolífera Woodside".

Abrir o processo ao público, explica a revista, ajudaria a "esclarecer a decisão da Downer usar a ASIS, [a secreta australiana] para o benefício comercial de uma empresa".

Howard (Liberais) é outro dos beneficiários, tendo autorizado a decisão de Downer de "redirecionar recursos da luta contra o terrorismo para cuidar do interesse comercial da Woodside" e que, como o seu ministro "nunca foi responsabilizado pelas suas ações, ou pela sua política mais ampla de intimidar Timor-Leste relativamente aos seus recursos energéticos".

Outra das beneficiárias é a também ex-chefe do Governo (Trabalhista) que "respondeu de forma agressiva à tentativa do então primeiro-ministro Xanana Gusmão de resolver a questão de forma confidencial em 2012" tendo depois iniciado as investigações a K e a Collaery.

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Bob Carr, na altura da denúncia timorense, o procurador-geral Mark Dreifys, que aprovou escutas à Testemunha K e a Bernard Collaery e David Irvine, responsável da ASIS na altura, estão igualmente na lista da Crikey.

Na lista estão ainda Nick Warner, atual diretor-geral dos serviços secretos e chefe da ASIS que bloqueou a devolução do passaporte à Testemunha K, Sarah McNaughton, diretora da procuradoria Pública, o atual procurador-geral Christian Porter, que ordenou a acusação aos dois homens.

George Brandis, ex-procurador-geral que ordenou rusgas a K e ao escritório e casa de Collaery, tendo "ameaçado Collaery no parlamento", e Margaret Twomey, embaixadora da Austrália em 2004 no período das escutas a Timor-Leste, fazem também parte da lista.

ASP // FST

Comunicação social em Timor-Leste partidarizou-se, diz Presidente do Conselho de Imprensa


Luanda, 29 out (Lusa) - O presidente do Conselho de Imprensa timorense, Virgílio da Silva Guterres, lamentou hoje à agência Lusa, em Luanda, que a comunicação social em Timor-Leste se tenha "partidarizado", admitindo, porém, que ainda há quem lute por um jornalismo independente.

Virgílio Guterres, que participou na capital angolana na VII reunião da Plataforma das Entidades Reguladoras da Comunicação dos Países e Territórios de Língua Portuguesa (PER), que terminou domingo, realçou, no entanto, que Timor-Leste lidera a liberdade de imprensa na região do sudeste asiático.

"No início da restauração [da independência, em 2002], a existência dos meios de comunicação era para ser um instrumento de controlo social ou um instrumento de comunicação entre o público e o poder, o que reflete a responsabilidade tradicional do jornalismo. Agora, com a luta de poder, com os políticos e com a competição económica, os órgãos de comunicação social estão a transformar-se na razão de ter mais acesso ao poder político e económico", afirmou.

Para Virgílio Guterres, aliás, a filiação política da comunicação social timorense pôde ver-se "transparentemente" durante a campanha eleitoral das eleições legislativas de maio deste ano.

"Partidarizaram-se. A linha editorial partidarizou-se e nas campanhas [os órgãos de comunicação social] deram mais espaço aos partidos com quem têm vínculo", frisou.

Questionado pela Lusa sobre se o jornalismo independente em Timor-Leste acabou, ou segue essa tendência para acabar, Virgílio Guterres admitiu que o cenário é complexo.

"Dizer que acabou não, porque há a esperança do público e também de alguns profissionais em manter a independência editorial, para salvaguardar o interesse e o direito público de obter a informação de qualidade ainda permanece. Terão é de se agregar esses esforços e princípios morais para se tornarem a força dominante, face às forças políticas e económicas que estão a tentar dominar a independência editorial", respondeu.

Sobre a liberdade de imprensa, o presidente do Conselho de Imprensa timorense lembrou que Timor-Leste ocupa o primeiro lugar no índice respetivo na região do sudeste asiático e que, globalmente, se situa no 97.º posto - "estamos no bom caminho".

"O que agora nos preocupa é a quantidade e o conteúdo das notícias. Será que estas informações são as requeridas e esperadas pelo público? Esta é uma questão a ser discutida em Timor-Leste entre os jornalistas e os políticos", questionou.

O presidente do Conselho de Imprensa timorense lamentou, por outro lado, a inexistência de um quadro legal para a Comunicação Social, apesar de a existência da imprensa estar "bem garantida" na Constituição.

"O que falta agora são os quadros legais. Falta a Lei da Rádio e da Televisão, ainda não existe, falta a Lei do Direito do Acesso às Fontes de Informação. Vamos ter de tratar disso e comunicar ao Governo para que se comece a trabalhar nalgum esboço", afirmou Virgílio Guterres.

JSD // PJA

Na imagem: Virgilio Guterres