segunda-feira, 11 de abril de 2016

Brasil. VAZAMENTOS SELETIVOS: O CONLUIO ENTRE MÍDIA E LAVA JATO


Na sequência do artigo de opinião de Carlos A. M. Lauano,  publicado no Timor Agora, intitulado Brasil. DEPOIS DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 2014, UM NOVO RISCO DE RETROCESSO achamos por bem trazer a complementaridade deste artigo da publicação brasileira Carta Maior que mais exaustivamente aborda o “golpe” que vem tomando corpo no Brasil e que tem por protagonistas os saudosos dos tempos da ditadura dos coronéis ou de qualquer outra ditadura que obste à distribuição da riqueza pelos milhões brasileiros que na vigência de Lula da Silva e Dilma Rousseff têm experimentado o caminho de maior justiça social e democracia no país. 

Segue-se o referido artigo de Carta Maior, também publicado no Página Global, numa parceria com Timor Agora. (TA)

As digitais que provam o conluio podem ser encontras na eleição de 2014; na construção do impeachment em 2015; e na armação do golpe, neste 2016.

Tatiana Carlotti – Carta Maior

Dividida em 27 fases e uma série de ações paralelas, a Operação Lava Jato vem pautando a agenda nacional há mais de dois anos. Uma breve análise dos vazamentos seletivos da Operação em consonância à agenda das oligarquias midiática e econômica do país levantam evidências quanto à sua motivação política.

Nesta quinta-feira, 7 de abril, mais um exemplo confirma a regra. Um dia após a apresentação do relatório favorável ao acolhimento do pedido de impeachment na Câmara dos Deputados, os jornais repercutiram a delação premiada de Otávio Mesquita de Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez, realizada dois meses atrás (G1, 07.04.2016).

Incensam, desta forma, a impressão generalizada de corrupção, omitindo o fato da Andrade Gutierrez ter sido uma das maiores doadoras do PSDB nas eleições de 2014: do total de R$ 62,2 milhões doados a partidos políticos, os tucanos receberam da construtora R$ 24,1 milhões (UOL,11.03.2016).

O conluio entre a Lava Jato e as empresas de comunicação do país, à frente do golpe, é matéria de sólidas críticas de juristas em todo o país (leiam mais). As digitais desse conluio podem ser encontradas em cada um dos momentos cruciais dos últimos anos: na eleição de 2014; na construção do impeachment em 2015; e na armação do golpe, neste 2016. 

Voltemos às origens:

Operação Urnas

Quando a Lava-Jato veio à público, a compra da refinaria de Pasadena era pivô do bombardeio do noticiário político. Em 13 de março de 2014, a Polícia Federal abria um inquérito contra a Petrobras, municiando a oposição já no começo do ano eleitoral (OESP, 13.03.2014). Em 17 de março, surgia a Operação Lava-Jato, prendendo o doleiro Alberto Youssef, durante a investigação sobre um esquema de lavagem de dinheiro que utilizava postos de gasolina e lavanderia.

Sete dias depois, em 20 de março, Paulo Roberto da Costa, ex-diretor da Petrobras, era detido “provisoriamente” por ter ganho uma Land Rover de Youssef. O timing foi preciso: Costa, apontavam os jornais, estava sendo investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro sobre Pasadena (OESP, 20.03.2014).

O fato é que em menos de uma semana, a agenda eleitoral estava posta. A oposição e o senador Aécio Neves podiam bradar, à vontade, o pedido de criação de uma CPI contra o governo que tentariam derrubar naquele ano (FSP, 20.03.2014). Na Folha, inclusive, uma sinalização do que seria a mídia em 2014: sem citar nenhuma fonte, o jornalão da família Frias estampava em 20 de março, a manchete “Executivos refutam explicação de Dilma no caso da Petrobras” (leiam aqui).

Completando o rol dos interesses envolvidos - leia-se Petrobras, uma das mais cobiçadas empresas do mundo - no dia 25 de março, a agência de risco Standard & Poor's (S&P) rebaixava a nota da estatal brasileira, alegando sua “ligação extremamente forte com o governo federal” (FSP, 25.03.2016).

Com Youssef e Costa atrás das grades, a Lava-Jato entrava no jogo político, com um farto material em mãos. Uma breve passada pelo iconográfico de O Globo mostra que a dupla, entre março e outubro, foi o centro das seis fases da Operação. O modus operandi permanece inalterado: turbina-se a mídia partidária, com vazamentos seletivos e condenações prévias, criando a narrativa e as condições favoráveis na sociedade para o avanço da oposição.

Vazamentos seletivos

Em 5 de abril, a PF vazava à imprensa uma relação de empresas que haviam feito depósitos para a MO Consultoria (controlada por Youssef) ligadas às obras da refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco (FSP, 05.04.2016). Dois dias depois, a Folha estampava a manchete: “Empresa investigada pela polícia doou R$ 4,5 milhões ao PT” (FSP, 08.04.2016).

Dois dias antes, pesquisa Datafolha apontava que 78% dos brasileiros acreditavam que havia corrupção na Petrobras. A pesquisa também registrava queda de seis pontos nas intenções de voto em Dilma Rousseff que contava com com 38% ante 15% de Aécio Neves (FSP. 06.04.2014).

Em 11 de abril, a Lava Jato ganhou destaque em todos os noticiários do país (JN, 11.04.2014). Com 16 mandatos de busca e apreensão, a PF entrava na sede da Petrobras, no Rio de Janeiro, saindo com caixas e caixas de documentos. No mesmo dia, outro vazamento: uma planilha de Costa, com o nome manuscrito de empresas, apresentadas pela mídia segundo a ótica da PF, a de que estariam envolvidas com pagamentos a políticos (FSP, 11.04.2014).

Vale destacar que a versão dos investigadores da Lava Jato, desde o início da Operação, tornou suspeitas verdades efetivas, e permaneceu incorporada na fala e escrita dos jornalistas da mídia. Um bom exemplo é a explicação dada aos internautas, um mês após a eclosão da Operação, por um jornalista na TV Folha:

“É o velho e bom caixa 2 dos partidos, obtido ali, segundo a PF, como parte de contratos da Petrobras. As empreiteiras contratadas pela Petrobras, repassavam esses recursos por empresas de consultorias fantasmas, que na verdade não existiam, e esse dinheiro chegava finalmente a partidos ali como PP, PT e também tem suspeita do PMDB (...) A comparação que eu mais ouço entre os policiais é que o mensalão é um escândalo de pequenas proporções quando comparado ao da Lava-Jato” (TV Folha, 13.04.2014, 20h).

Fechada a narrativa, instalou-se uma verdadeira caça às bruxas: parlamentares, candidatos e empresários que tiveram qualquer contato com pessoas ou empresas relacionadas a Youssef ou Costa foram parar nas páginas dos jornais. O uso eleitoreiro das informações, seletivamente vazadas, foi gritante. Um exemplo foi a investida com a finalidade de comprometer a candidatura de Alexandre Padilha (PT) ao governo de São Paulo, por conta de uma tentativa frustrada de um laboratório ligado a Yousseff de firmar um contrato com o Ministério da Saúde. Um contrato que, devido ao próprio o rigor da seleção do Ministério, jamais chegou a ser firmado (FSP, 11.04.2014).

Abusos denunciados

Antes que renunciassem ao direito de defesa em troca de penas mais brandas, Youssef e Costa denunciaram vários abusos. Em 10 de abril, por exemplo, o doleiro apontava a existência de escutas telefônicas em sua cela (FSP, 10.04.2014). No mesmo dia, a PF pedia a sua transferência, e a de Carlos Habib, para um abrigo de segurança máxima. (FSP. 10.04.2014). Costa, por sua vez, teve dois pedidos de habeas corpus negado e chegou a denunciar uma ameaça, por parte de um agente da PF, de ser levado a prisão de segurança máxima (FSP, 14.04.2014).

Ele chegou a ser solto em 19 de maio, por ordem do ministro Teori Zavascki (STF), que determinava sigilo sobre os autos envolvendo o ex-diretor da Petrobras. Três dias depois, o Estadão divulgava uma reportagem que o apontava como elo central nas investigações, com base em um oficio enviado ao juiz Moro, por um delegado da Divisão de Repressão a Crimes Financeiros em Brasília: “PF liga Pasadena a suspeita de lavagem e vê ´organização criminosa´ na Petrobras” (OESP, 22.05.2014).

Em 10 de junho, durante um depoimento à CPI da Petrobras no Senado, boicotada pela oposição desde o seu início, Costa repudiou a tese de que Petrobras era uma organização criminosa, também afirmou ter sido “massacrado” durante os 59 dias em que ficou preso (G1, 10.06.2014). Em menos de 24 horas, a Operação Lava-Jato estreava sua quarta fase: prendia, novamente, o ex-diretor da Petrobras (O Globo, 11.06.2014).

Em meio à Copa do Mundo, a Lava Jato prendeu dois funcionários que gerenciavam contas no exterior de Youssef, levando o doleiro, em 10 de agosto, a acenar com a possibilidade de acordo de delação premiada. Faltava apenas um acordo com o ex-diretor da Petrobras: outra fase foi aberta, realizando 11 mandatos de busca e apreensão e um de condução coercitiva em empresas vinculadas a Costa e a seus familiares.

No mesmo dia, o ex-diretor da Petrobras aceitava a delação premiada, abdicando do seu direito de defesa em troca de uma tornozeleira eletrônica e prisão domiciliar no Rio de Janeiro (FSP,22.08.2014).

Delações premiadas

No final de agosto, em meio à comoção da morte de Eduardo Campos, as pesquisas Datafolha, Ibope e CNT-MDA anunciavam o empate entre Marina Silva e Dilma Rousseff nas intenções de voto (Último Segundo, 29.08.2014). No dia 5 de setembro, novos vazamentos garantiram à Folha a manchete: “Empresa que ajudou a pagar avião de Campos fez negócio com doleiro” (FSP,05.09.2014).

É importante destacar o papel central das delações de Costa (um mês antes do primeiro turno) e Youssef (na semana do segundo turno). O vazamento de ambas foi seletivamente trabalhado de acordo com o timing da disputa eleitoral.

Em 5 de setembro, a VEJA publicava uma reportagem citando nomes de vários políticos (Veja,05.09.2014). A reportagem tornou-se fonte de uma série de manchetes. Sem citar nomes, O Globo destacava que a denúncia atingia pelo menos 25 políticos, vinculados a cinco partidos (PT, PMDB, PP, PR e PTB), “a maioria parlamentares federais em campanha pela reeleição” (O GLOBO,6.09.2014).

Na Folha, uma correção: “a lista de políticos tinha um total de 12 senadores e 49 deputados federais” e a informação: “O jornal [Folha] não teve acesso ao documento que cita os nomes dos parlamentares” (FSP, 06.09.2014). Já o Estadão foi direto ao ponto: “32 deputados e senadores, um governador de cinco partidos políticos, incluindo do PT e PMDB” (OESP, 05.09.2014).

Em nenhuma das reportagens, o questionamento sobre a veracidade das informações, tampouco o contexto em que foram obtidas. Com caráter de verdade, as delações premiadas municiaram a oposição, consolidando na opinião pública a narrativa de uma corrupção sistêmica na estatal.

Rumo ao primeiro turno

As críticas em relação aos vazamentos da delação de Costa não tardaram, aliás, elas estão presentes desde o início da Operação. Frente a elas, em 8 de setembro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reuniu-se com a força tarefa da Lava Jato para discutir como prosseguir com as investigações. O que aconteceu às vésperas do segundo-turno é testemunha da qualidade do encontro (FSP, 08.09.2014).

Enquanto isso, a oposição inflava a onda da criminalização do PT. Vinte dias antes do primeiro turno, o grão-tucano Fernando Henrique Cardoso, em profunda crise de amnésia quanto à corrupção dentro do seu governo (relembrem aqui), afirmava que casos de corrupção no governo PT tinham sido 'quase uma regra' (FSP, 15.09.2014).

Quinze dias antes das eleições, o conluio mídia - Lava Jato selecionava novos trechos da delação de Costa. Os vazamentos, agora, estampavam os nomes de Renato Duque e Nestor Cerveró, os ex-diretores da Petrobras. Na Folha, a manchete: “Delator liga 2 ex-diretores a corrupção da Petrobras” (FSP, 20.09.2016). No Estadão, “Em delação, Costa cita diretor da Petrobrás ligado ao PT (OESP,21.09.2014).

Em vários veículos de comunicação, as reportagens relativas à Lava Jato permaneceram locadas em cadernos e especiais “Eleições 2014”. Na Folha, por exemplo, sete dias antes do pleito, no caderno “Eleições”, publicava-se a reportagem “PF investiga ligação entre tesoureiro do PT e doleiro preso”, resultado de informações da PF após a abertura de uma nova frente da Lava Jato, destinada a apurar a ligação entre Youssef e fundos de pensão (FSP, 28.09.2014).

Ao mesmo tempo, no dia 29 de setembro, a VEJA centrava munição, com novos vazamentos da delação de Costa, na reportagem intitulada “O núcleo atômico da delação: Paulo Roberto Costa diz à Polícia Federal que em 2010 a campanha de Dilma Rousseff pediu dinheiro ao esquema de corrupção da Petrobras". Ao analisar a matéria, o jornalista Ricardo Kotscho apontava que a reportagem não informava sequer se havia “provas deste pedido e se a verba foi ou não entregue à campanha de Dilma” (leia mais).

Ás vésperas e no dia da eleição, o Estadão e a Folha emplacavam em suas páginas, a próxima delação: a de Alberto Youssef.

O tudo ou nada do segundo turno

Dez dias antes do segundo turno eleitoral, o depoimento de Costa circulava nas redes (G1,09.10.2014). O Datafolha incensava a vitória a Aécio Neves, com 51% das intenções de voto, ante 49% de Dilma Roussef (FSP, 15.10.2014). A Lava Jato fervilhava no centro de todos os debates eleitorais.

No primeiro deles, após o segundo turno, Aécio dizia ser “absolutamente inacreditável” o que ocorria na Petrobras. A resposta de Dilma foi categórica: “aonde estão todos os envolvidos no caso da compra de reeleição? Todos soltos. O que eu não quero é isso, candidato. Eu quero todos aqueles culpados presos” (FSP, 15.10.2014).

No dia seguinte, da mesma delação de Costa, a notícia de que Guerra havia cobrado R$ 10 milhões para abafar uma CPI em 2009 e abastecer dinheiro das campanhas tucanas (OESP, 16.10.2014 e FSP, 16.10.2014). Na mesma semana, frente à ameaça de vitória de Aécio, artistas e intelectuais se mobilizaram em apoio à candidatura Dilma, no Ato da PUC (OEscrevinhador, 20.10.2014).

Naquela semana eleitoral, na terça-feira, 21 de outubro, Alberto Youssef começou sua série de delações à Lava Jato. Em menos de 48 horas do início dos depoimentos e a 72 horas das eleições, a VEJA publicou a reportagem “Eles sabiam de tudo”, com Dilma e Lula na capa, atribuindo a afirmação da manchete ao doleiro. No dia seguinte, o advogado de Youssef, Antônio Figueiredo Basto, afirmava: “Eu nunca ouvi nada que confirmasse isso. Não conheço esse depoimento, não conheço o teor dele. Estou surpreso” (O Globo, 23.10.2014).

Sem qualquer checagem, o conteúdo divulgado pelo semanário da família Civita ganhou a manchete da Folha, no sábado, véspera da eleição: “Doleiro acusa Lula e Dilma que fala em terror eleitoral” (FSP, 25.10.2014). Vencidas as eleições, a tentativa de VEJA de interferir no resultado veio à tona.

Criou-se uma nuvem de fumaça. O Globo afirmava que um dos advogados de Youssef havia solicitado a retificação no depoimento do doleiro, ele havia dito que “pela dimensão do caso, não teria como Lula e Dilma não saberem” (O Globo, 28.10.2014). Dois dias depois, Basto negava o conhecimento tanto do teor da delação, quanto da retificação anunciada em O Globo. (CC,30.10.2014).

O fato é que após a vitória de Dilma Rousseff com 51,64% dos votos, abria-se novo capítulo na Lava Jato. Quinze dias depois, eram presos o ex-diretor da Petrobras e 17 executivos das maiores empreiteiras no país.

A reportagem continua...

Créditos da foto: Reprodução

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